Psicoterapeuta | Palestrante Corporativo (Saúde Emocional / Psicologia Analítica Junguiana) | Proprietário Solução Ativa
A saúde mental no ambiente corporativo é um tema que vem ganhando destaque ano após ano. Penso que com a pandemia da Covid-19 o tema ganhou ainda mais força, em razão das diversas consequências emocionais negativas: diminuição de contatos sociais, redução de entretenimento, aumento das horas de trabalho, luto pela perda de entes queridos, ansiedade relativa ao medo de se contaminar, dentre outras situações.
Uma das coisas que me perguntam quando faço palestras sobre este tema, especialmente quando a audiência principal é o time de Recursos Humanos, é: o que podemos fazer para ajudar na saúde mental de nossos colaboradores?
Não quero teorizar demais, porém, de maneira sucinta, minha perspectiva é sempre esta: é muito difícil ajudar quem não quer ajuda. Nesse sentido, por mais ações relacionadas à saúde emocional que empresa faça, é bem provável que em algumas pessoas o efeito seja zero. Se penso em um projeto de saúde emocional de massa, sendo bem sincero, não acho que ele seja necessariamente responsabilidade da empresa. Saúde emocional deveria começar na educação de base, com modelos educacionais que estimulassem o autoconhecimento (em vez de apenas o conhecimento), o altruísmo (em vez do egoísmo), o pensamento crítico (em vez do pensamento executor), etc.
Contudo, fazendo um exercício de pragmatismo, procurei elencar 5 ações (e uma extra) que podem ser feitas imediatamente, por qualquer empresa, de qualquer tamanho – e isso, na maioria das vezes, enseja investimento financeiro. Me baseei nas minhas experiências com o tema, no conhecimento do trabalho que alguns colegas fazem, nas falas que escuto no consultório dos meus pacientes sobre aspectos ruins na perspectiva emocional nos seus respectivos trabalhos e até mesmo em algumas perguntas que já me fizeram em palestras.
Importante: a minha perspectiva é a que eu mencionei acima: as empresas podem (e devem) sensibilizar as pessoas para cuidarem da saúde emocional, mas isso não quer dizer que as pessoas corresponderão à essa sensibilização. Mais do que apenas elencar o que pode ser feito, fiz uma breve avaliação do que vejo de positivo e de negativo em cada ação, para ajudar na sua análise. Se você achar que faz sentido, leve este texto ao RH da sua empresa.
Ação 1 – Escutar as pessoas
Essa é a parte que qualquer empresa pode fazer sem grandes investimentos e desde já: escutar as pessoas com rodas de conversas ou coletar impressões via formulários eletrônicos. Algumas empresas fazem isso de maneira mais sistematizada, como por exemplo as pesquisas de clima. O ponto é que hoje é possível coletar informações com facilidade sobre os sentimentos dos colaboradores via um Google Forms, que pode ser respondido via celular. Isso ajuda a entender muitas coisas sobre o estado e o clima emocional das pessoas naquele momento. Isso ajuda os líderes e os RHs a pensar em ações que atendam às demandas das equipes, pontualmente ou globalmente. Algumas empresas conseguiram ótimos resultados na saúde emocional da equipe apenas flexibilizando a jornada de trabalho, por exemplo.
Positivo: permite evitar invencionices e criatividade vazia; as ações podem ser criadas diretamente a partir da perspectiva daqueles que são os mais afetados por questões relacionadas à saúde emocional.
Negativo: pode criar falsas expectativas nos colaboradores e dependendo do formato de coleta, como as rodas de conversa, pode dar uma impressão de exposição, o que inibe as pessoas de falarem o que realmente sentem, e isso é muito comum. Outro ponto é como a empresa reage ao que foi respondido nos formulários. Já tive experiências muito ruins, com gestores de RH dizendo que determinado item da pesquisa de clima foi mal avaliado porque os colaboradores não entenderam. Se eles não entenderam foi porque a) foi muito mal comunicado ou b) a pergunta foi muito mal elaborada. Se é para perguntar e ter julgamento negativo da resposta coletada, melhor não fazer.
Custo: 0 a $
Ação 2 – Palestras e/ou Webinares
É cada vez mais comum as empresas contratarem especialistas em saúde emocional para fazer palestras sobre o tema. Neste item fico bem tranquilo para falar, que é onde transito com alguma experiência, já tendo palestrado em dezenas de empresas e escolas.
Percebo que há uma grande confusão neste item, e não tem problema se vocês entenderem esta minha fala como corporativismo – e de certa forma é – , mas saúde emocional deve ser objeto de palestra de quem entende de saúde emocional e não de quem entende apenas de “qualidade de vida”.
Eu acho o máximo yoga, mindfulness, atividade física e outros. Mas quando se tem a constatação de um problema de saúde emocional na empresa, como aumento de depressão, de síndrome de burnout, casos de suicídio ou parassuicídio, deve-se criar um campo de sensibilização em torno deste tema com palestrantes que aportem sobre isso com profundidade, de forma que eles consigam criar meios de sensibilizar aquelas pessoas que estão em sofrimento, mas que resistem em buscar ajuda – este tema não é palestra para empreendedor de palco, é para pesquisadores.
Atividade física, yoga e outros, são grandes aliados no tratamento de enfermidades emocionais e físicas, mas o campo de pesquisa disso está na psicopatologia, portanto, em geral, os mais capacitados, em geral, serão psicólogos e psiquiatras que atuem ativamente nesta área, com experiência clínica e/ou hospitalar (o que não significa que todos sejam bons palestrantes, mas isso eu deixo para os contratantes escolherem).
A expressão “atuar ativamente” é importante porque existem ótimos colegas psicólogos que são especialistas em qualidade de vida, mas não em saúde emocional, e está tudo bem! Qualidade de vida é importante sim (comer, rezar, amar, brincar, sorrir, cantar)! Mas quando queremos sensibilizar para a saúde mental, é preciso falar com quem tem profundidade. No Outubro Rosa chamamos ginecologistas para falar da saúde da mulher, certo? O caminho para as questões mentais é o mesmo, por isso, aqui me refiro especialmente aos psicólogos e psiquiatras, ou outros pesquisadores da área da saúde mental (terapeutas ocupacionais, biólogos, biomédicos, assistentes sociais, etc.).
Para dar um exemplo mais concreto: temos A) aquele pesquisador da saúde mental que aborda o uso do mindfulness no tratamento da depressão (ele pesquisa como tratar a depressão), e B) pesquisador, que é praticante de mindfulness, que aprendeu e estudou muito sobre isso, que hoje ensina aos outros a técnica e que sabe que mindfulness pode ser usado para tratar a depressão (ele pesquisa como usar o mindfulness). São diferenças sutis, mas ao meu ver bem importantes, porque o pesquisador A muito provavelmente conhece o mecanismo das doenças mentais, enquanto o pesquisador B conhece o mecanismo do mindfulness, mas não exatamente o das doenças mentais.
Não podemos reduzir os tratamentos das doenças mentais a fazer yoga ou correr 2x por semana. O tratamento pode até envolver yoga e fazer atividade física. Atividades são sempre benvindas, mas é essencial a orientação psicológica para o tratamento, via psicoterapia e/ou medicamentos.
Mesmo psicólogos que optaram por trabalhar exclusivamente com coach ou life coach e que não atuam num campo de pesquisa voltado para a saúde mental, não são aptos a aportar sobre este tema, não porque não tenham formação acadêmica, mas porque optaram por pesquisar outros temas, que não necessariamente relacionados a patologias. E nunca é demais lembrar que depressão, síndrome do pânico, síndrome de burnout, são patologias e não qualquer coisa reduzida à palavra “estresse”.
Para encerrar este item, a palestra/webinar deve ser criativa, de forma que provoque positivamente a audiência, no sentindo incentivar o indivíduo a buscar ajuda, porque fazer palestra apenas para descrever sintomas pode não ser interessante, ainda que a descrição de sintomas possa estar incluída na palestra criativa.
Positivo: potencial para estimular as pessoas com questões emocionais a buscar ajuda, desde que sejam positivamente provocativas; transmitir conhecimento confiável e profundo; desconstruir ideias errôneas.
Negativo: baixa audiência (eventualmente por uma comunicação ruim por parte da empresa); baixo engajamento na palestra, por parte do palestrante ou por parte das pessoas que também podem se sentir expostas; a palestra em si não resolve um problema de saúde emocional coletivamente, apenas sensibiliza para o tema.
Custo: $ a $$
Ação 3 – Programas de saúde emocional
Os programas de saúde emocional estão ganhando cada vez mais espaço nas empresas porque de fato eles avançam na sensibilização em um nível mais profundo que o de uma palestra pontual.
Tenho como exemplo a empresa Mental Clean que há anos vem fazendo um trabalho comprometido com as empresas, e a Psico Corpore, liderada pela minha amiga Ingrid Seribeli, que possui um belíssimo programa que contempla palestras, encontros em grupo, encontros individuais, utilização de inventários, atividades específicas, e sempre apoiada por uma equipe de especialistas. Pelo nome destas duas empresas fica claro que o foco é a saúde mental (Mental / Psico) e isso por si só já revela a natureza delas. E isso é bem diferente do que já citei acima, que é a tal “qualidade de vida”.
Programas de qualidade de vida podem ser ótimos, mas em geral pecam pelas generalizações, ou pela acentuação na saúde física. Programas de saúde emocional são focados, fundamentados cientificamente e aplicados por profissionais e pesquisadores desta área do saber.
Positivo: grandepotencial de sensibilização, com forte estímulo para que as pessoas façam tratamentos profundos, não apenas para questões voltadas para saúde mental, mas também para a dependência química, alcoolismo, etc.; formas criativas de se abordar a saúde mental junto aos colaboradores (atividades, aplicativos, exercícios).
Negativo: dependendo do formato do programa, ele pode não sensibilizar as pessoas que precisariam ser sensibilizadas; a depender da forma como é comunicado e como é conduzido, pode cair numa vala comum de que é mais um “oba-oba” da empresa, daí a importância de uma boa comunicação para o programa.
Custo: $$ a $$$
Ação 4 – Ter Planos Médicos que possuam reembolso para psicoterapia – e comunicar isso aos colaboradores!
O custo de Assistência Médica é um problema enorme para as empresas, que ultimamente vêm de toda a forma procurando reduzi-lo (com algumas até excluindo-o de seu “cardápio” de benefícios). Desta forma, a perspectiva que trago para este item é muito mais aquela que afeta positivamente aos beneficiários do plano.
Muitas empresas possuem assistências médicas que oferecem reembolsos para sessões de psicoterapia. Para isto cada uma terá seu modus operandi de aprovar essas sessões, mas via de regra será necessário o colaborador apresentar um diagnóstico médico com a prescrição de sessões de psicoterapia, que podem variar de 12 a 40 no ano (em geral). O valor de reembolso dependerá de cada plano, mas sei de variações que vão de R$ 30,00 por sessão a R$ 250,00 por sessão (para aqueles possuem). Quanto mais premium o plano, maior o reembolso por sessão.
Evidentemente este reembolso não é gratuito para a empresa, ele tem um custo. Mas o ponto é que em algumas empresas o colaborador sequer sabe que existe esta possibilidade, justamente por não ser de interesse da empresa comunicar isso massivamente.
Como psicoterapeuta e conforme afirmado diversas vezes aqui neste texto, entendo que saúde emocional deve ser tratada individualmente e que a psicoterapia é parte fundamental deste tratamento. Se a empresa possui um plano médico que possui reembolso para psicoterapia, seria de extrema humanidade comunicar isto claramente aos seus colaboradores para que eles fizessem um bom uso, ético e consciente, especialmente para as empresas que têm constatado um cenário ruim nas questões mentais das pessoas.
Das ações aqui descritas, essa é a opção que consegue oferecer com mais constância um tratamento para uma patologia que diversas vezes apresenta um quadro crônico. Nenhuma palestra, nenhum programa de saúde, nenhum programa de qualidade de vida substitui um tratamento psicoterápico, mas os programas são fundamentais para sensibilizar as pessoas a buscarem ajuda individualmente. Quando a empresa faz um programa de saúde emocional e de quebra fala para as pessoas que elas possuem reembolso para psicoterapia pelo convênio médico, o cenário fica excelente, pois o funcionário terá opções de buscar ajuda de um profissional, com ao menos parte do custo envolvido subsidiado pela empresa.
Positivo: possibilidade de tratamento constante; facilidade de encaminhamentos por parte do médico do trabalho; possibilidade de incentivar as pessoas a buscarem ajuda.
Negativo: custo para a empresa; dependência da vontade da pessoa em buscar o tratamento (mas neste caso, não há outra opção, pois não se pode colocar alguém para fazer psicoterapia compulsoriamente – algo que mencionarei no item “Ação extra”).
Custo: $$$ a $$$$$
Ação 5 – Parceria com plataformas de psicoterapia
Num exercício de memória, sem consultar a Web, me vem à cabeça estas plataformas de psicoterapia (a maioria delas online): Vittude, Healingclouds, Zenklub, Psicoclique, Psicologia Viva – e deve ter outras.
Do que se tratam? Essas plataformas são fundamentalmente canais para divulgação do trabalho dos psicólogos. Em geral os psicólogos pagam para fazer parte da plataforma (exceção para Healingclouds, mas se algum colega das outras plataformas ler este artigo, fique à vontade para explicar melhor o modelo nos comentários). A plataforma, por sua vez, vira um canal de referência para a pessoa que quer buscar um psicoterapeuta e não sabe como.
Na prática, procurar psicoterapia com um psicólogo destas plataformas, ou com qualquer outro psicoterapeuta indicado por um familiar, amigo, médico, dá na mesma. A diferença é que nas plataformas é possível fazer uma busca, ler o mini-CV do profissional, etc.
Algumas empresas estão fechando parcerias com essas plataformas, de forma que o custo de psicoterapia para o colaborador seja mais baixo ou até mesmo zero. A depender do contrato, pode ser considerado um número máximo de sessões ou sessões ilimitadas.
A parceria com essas plataformas, ao meu ver, só faz sentido se a empresa não tem um convênio médico que contempla reembolso por psicoterapia, pois caso o tenha, é como se a empresa pagasse duas vezes, o plano médico e a plataforma, o que do ponto de vista de custo é um pouco estúpido.
Adicionalmente, o simples fato de se ter a plataforma disponível para os funcionários buscarem psicoterapia, não pode ser caracterizado como um programa de saúde emocional. É preciso comunicar claramente e sensibilizar os indivíduos à buscarem ajuda, se não, será só mais um benefício no “cardápio”.
Positivo: Idem o reembolso via convênio, dá a possibilidade do funcionário buscar ajuda especializada, visando um tratamento a longo prazo.
Negativo: se a empresa já possui um plano médico com reembolso para psicoterapia, pode gerar um custo duplo; se não houver comunicação robusta, até mesma antecedida por uma palestra de sensibilização ou um programa de saúde emocional, pode não incentivar que os funcionários busquem ajuda; nem todos os profissionais da plataforma são especializados em saúde emocional no trabalho, contudo, isso não é exatamente um impeditivo para que o processo psicoterapêutico aconteça.
Custo: $$ a $$$
Ação Extra – colocar a psicoterapia como parte do programa de formação dos líderes
Bem, essa ação eu não enumerei por achar que ela pode até ser polêmica, mas me explico. No início de 2019 estive em Zurique para fazer um intensivão de Psicologia Analítica no CG Jung Institut, e na ocasião eu conheci um colega que trabalhou por um tempo em uma escola de negócios da Suíça em que parte do curso de MBA para líderes contemplava 20 horas de Análise Junguiana.
Pessoalmente, achei bastante inovador, pois em geral se associa à formação do líder uma temporada de coaching ou de mentoria. Mas neste caso era oferecido especificamente Análise Junguiana. Vale lembrar que quando uso o termo “psicoterapia” estou falando de maneira ampla, pois dentro desta palavra existem inúmeras maneiras de se praticar terapia. A Análise Junguiana, que é a que eu também pratico, é uma das várias psicoterapias.
Bem, por que não ter um processo Analítico como parte da capacitação da liderança de uma empresa? Não sei, podemos pensar sobre. Deixe aqui nos comentários o que você acha disso.
Positivo: efeito profilático, no sentido de se ter um acompanhamento psicológico do líder, independentemente dele apresentar sintomas de patologias psíquicas.
Negativo: avaliar limites éticos desta ação; resistência da pessoa em se entregar ao processo psicoterapêutico, uma vez que na maioria das vezes o processo só tem êxito quando a pessoa está genuinamente envolvida.
Custo: similar ao custo dos processos de coaching conduzidos por profissionais altamente qualificados, em geral contratados para os níveis de diretoria e acima.
Este é um dos artigos mais completos que já escrevi sobre o tema, e ficaria muito feliz em saber o que você achou. Então deixe seu comentário, com dúvidas, sugestões, críticas, feedbacks e tudo mais.
Quem sou eu? Hoje sou psicólogo clínico e palestrante, depois de ter atuado por mais de 15 anos no RH de grandes empresas. Desde 2015 estou na jornada de psicólogo clínico, inicialmente dividindo meu tempo com a PepsiCo, para me dedicar integralmente à psicologia desde 2018. Desde então apresentei trabalhos sobre saúde emocional no trabalho em congressos nacionais e em um congresso internacional. Já fiz palestras sobre este tema em dezenas de empresas e em diversas ocasiões pelo Escritório de Carreiras da USP. Tenho duas pós-graduações, em Administração e em Psicologia Junguiana, além de ter feito um intensivão de Psicologia Junguiana em Zurique. Agora em 2020 inicio mais uma jornada acadêmica pesada e importante com a pós-graduação em Psicossomática e com o mestrado em Comportamento e Mídia, em que pesquisarei sobre os efeitos psicopatológicos das relações imaginais e simbólicas no mundo corporativo.